A equalização canavieira e os royalties

Renato Augusto Pontes Cunha

Os municípios do Estado do Rio de Janeiro criaram um sofisma que parece ter se transformado em verdade, pelo menos no que se refere à liberação de recursos, da parte do Governo federal, via Petrobrás/MME, dos royalties relativos aos direitos de exploração e refino do petróleo no mar brasileiro, em pontos situados nas cercanias da costa do Rio de Janeiro.O mecanismo é automático, tendo alcançado a cerca 1 bilhão e 412 milhões de reais, em 2002 somente para aquele Estado. Através desse mecanismo o Rio de Janeiro engorda suas receitas, recebendo rotineiramente fabulosas injeções de recursos.

Nada temos contra, mas entendemos que  mecanismo dessa natureza teria feito mais sentido em épocas passadas, quando o País estava à busca do aumento da exploração do óleo fóssil.

Na atualidade, quando já atingimos quase a auto-suficiência, talvez seja mais racional a readequação dos valores para uma taxa de manutenção - ou um critério mais democrático - com a presença de outros Estados produtores de energias limpas na divisão dos recursos.

O agronegócio da cana-de-açúcar no Nordeste, por exemplo, produz matéria-prima para o açúcar que é produto de cesta básica, com calorias (carboidratos) a preços de energia alimentar acessíveis à população e para o álcool combustível de automóveis, diretamente ou através de mistura à gasolina. Além de beneficiar a saúde da população e preservar o meio-ambiente, esse agronegócio produz energia elétrica limpa, a partir do bagaço da cana (biomassa) numa região importadora de energia.

Nesse contexto em que é dado tratamento desigual às diferentes regiões brasileiras, o atraso da equalização canavieira pode ser interpretado como uma liquidação sumária da cadeia produtiva da gramínea no Nordeste. O impacto negativo sobre os PIB´s dos Estados do Nordeste pode ser facilmente estimado, quando se sabe que a cana-de-açúcar (considerada sem as ramificações de todo o seu conglomerado) participa, no mínimo, com 25% da economia de Alagoas, cerca de 20% em Pernambuco, 10% na Paraíba e 5% do Rio Grande do Norte.

A ausência de pagamento da Equalização, no tempo real, acarreta involução dos PIB´s da região. E diminuição de PIB traduz-se em empobrecimento, coroamento de um contexto deficitário com enfraquecimento das economias. A queda do PIB pode ser comparada à situação de empresas que amargam prejuízos patrimoniais e estão fadadas à estagnação e ao esfacelamento estrutural. E, certamente, não estamos dispostos a presenciar um quadro dessa natureza com parcimônia.

A atual fonte de recursos para a Equalização é proveniente da contribuição de intervenção no domínio econômico (CIDE) dos combustíveis, orçamentária e constitucional (art. 177). Além do mais, a Lei n° 10453 de 13.5.2002 dispõe sobre subvenções ao preço e ao transporte do álcool sob a forma de “equalização de custos de produção da matéria-prima” (artigo 3° – inciso I). Não são recursos fornecidos a fundo perdido; ao contrário, trata-se de um retorno, embora tímido, abaixo da arrecadação proporcionada com base no preço do álcool nas bombas desse combustível que, orgulhosamente, somos eficientes precursores no mundo.

No entanto, os óbices criados pela burocracia federal para postergar o pagamento atingem as fronteiras da irresponsabilidade pública.

Atualmente, uma rodada anual do programa ficaria em torno dos 45 milhões de toneladas de cana (85% da produção prevista para a região, na safra 2003/2004) a um preço por tonelada de aproximadamente R$ 10,17 (5,0734 valor de custos oficiais de outubro/1998 com correção pelo IGP-M até 31.01.2004), totalizando R$ 457 milhões, ou seja, apenas 32% do valor dispendido, em média, por ano, pelo Tesouro Nacional, com o petróleo do Rio de Janeiro.

Cabe a pergunta: que critério é esse que possibilita a um único Estado - o Rio de Janeiro -  arrecadar a fundo perdido 208% a mais do que toda uma região agrícola geradora de mais de 350.000 empregos canavieiros diretos? O que motiva a continuidade de tal situação? Será que a fonte Petrobrás não receberia a companhia harmônica dos pagamentos da equalização no intuito de desburocratizar e/ou fornecer rapidez isonômica entre os renováveis e os fósseis? Por que não instituir o sistema de royalties para a cana, com um nome em português, se a equalização é tão desrespeitada em seu marco regulatório?

Essas reflexões visam enriquecer o debate em torno da necessidade da eliminação, o mais rapidamente possível, de tais distorções. Servem também de subsídio ao obstinado trabalho de nossa bancada parlamentar, com a qual temos contado, a exemplo do que ocorreu no ano 2000, quando conseguimos, num trabalho conjunto, recuperar atraso de pagamentos similar ao atual, equivalente à cerca de três safras.

* Presidente do Sindicato da Indústria do Açúcar e do Álcool no Estado de Pernambuco - SINDAÇÚCAR