Cana-de-açúcar: reposicionamento de sua produção

Renato Augusto Pontes Cunha

A cana-de-açúcar integra um agronegócio que, no Brasil, representa cerca de 18% da produção mundial de açúcar (energia alimentar), movimentando cerca de R$ 36 bilhões por ano, o que representa 3,5% do PIB nacional. O total derivado de suas exportações equivale a aproximadamente US$ 3,300 bilhões e seu potencial de geração de energia elétrica, a bioeletricidade, é de 8 mil MW, volume equivalente a mais da metade do que produz a hidroelétrica de Itaipu.

A cadeia produtiva sucroalcooleira vem se adaptando e se reposicionando com firme flexibilidade às mudanças ocorridas no país, desde que, em 1988, foi dado início à privatização das exportações de açúcar no Brasil e a tutela governamental começou gradativamente a perder terreno. Em 1989, com a queda do monopólio estatal – dois anos depois de o barril de petróleo ter atingido US$ 15 – o Governo Federal praticamente descartou o segmento sucroalcooleiro, que rapidamente se redirecionou para uma convivência com as leis do mercado. Em 1992, o setor logo se adaptou às condições impostas pelo protocolo de Kyoto, época em que o sonho de sustentabilidade ambiental era um ideal ainda remoto. No entanto, em 1993, o estabelecimento, por lei, da mistura do etanol anidro à gasolina nacional, em percentual de 25%, tornou-se um marco regulador, tanto que é atualmente copiado, em distintos percentuais, por inúmeros países preocupados com o meio-ambiente global. A partir de 1995, os preços de açúcar foram liberados no mercado interno e, em 1997, foi a vez da liberação do mercado de combustíveis: desprovido de tabelamento de preços ao produtor, o mercado do álcool passou a ser regido pelas negociações entre os muitos produtores e as poucas distribuidoras. Até que, em 1998, veio a Lei do petróleo, com a Agência Nacional do Petróleo orientada para os leilões de áreas de prospecção e consolidando o abandono às regras do “livre” mercado para todo o suprimento de etanol do País.

Confrontado às freqüentes necessidades de adaptação ao mercado, o segmento sucroalcooleiro também amadureceu e equacionou suas relações entre acionistas e uma gestão profissional. Como resultado dessa política, seus resultados estão hoje alicerçados em pesquisas genéticas, na mecanização adaptada às condições topográficas, na irrigação, nos manejos de solos, nas drenagens de várzeas, na fermentação, na bioeletricidade, na capacitação industrial e comercial – inclusive no varejo –, no uso intensivo dos recursos da informática e no investimento no terceiro setor. Um exemplo disso é o que ocorre em Pernambuco, que consolidou investimentos em educação, com cerca de 10.000 alunos matriculados em 125 escolas circunvizinhas às usinas, mantidas em parceria com Municípios e com o governo do Estado. O setor também conta com 14 selos ABRINQ – ou seja, 67% das Associadas do SINDAÇÚCAR– que, desde 1997, integram ativamente o PETI – Programa de Erradicação do Trabalho Infantil. Além disso, vale ressaltar as ações desenvolvidas em matéria de sustentabilidade ambiental, como as recomposições de matas ciliares e atlântica, promovidas por inúmeras empresas pernambucanas. Nossa presença também ficou registrada em 3 (três) meses do calendário da ação empresarial pela cidadania em nosso Estado , no ano de 2005.

O setor sucroalcooleiro de Pernambuco – apesar das fortes dificuldades pertinentes a clima e solo e relativas à agricultura em relevo acidentado, e da ausência de contrapartida da parte do governo federal para promover a uniformização de competitividade, vis-à-vis os custos do Centro-Sul – está contribuindo com, no mínimo, 15% de todos os empregos gerados pelo setor no País e, conjuntamente com o restante do Nordeste, com aproximadamente 18% da produção nacional. Acrescente-se a isso a vantagem de o ciclo de produção do Nordeste ocorrer em época complementar ao do Sul, possibilitando o fornecimento contínuo, ao país e ao Mundo, de nossos produtos finais.

A produção de cana-de-açúcar do Centro-Sul deu um salto de 145 milhões de toneladas na safra 83/84 para cerca de 330 milhões de toneladas na atual safra 2004/2005, ou seja, um crescimento de mais de 120%, em 20 anos. No mesmo período, o crescimento da produção de cana-de-açúcar no Nordeste foi de apenas 18%. Dados dessa natureza expõem os claros sintomas de um modelo concentrador da infra-estrutura federal, que aprofunda distorções e acelera disparidades.

O que ora se pretende é o equilíbrio regional, com a diminuição dessa concentração de investimentos em regiões já privilegiadas, notadamente no âmbito do agronegócio. E, sobretudo, a criação de condições para o crescimento do Nordeste, pelo menos em termos absolutos. Trata-se de reverter um quadro, caracterizado por desigualdades. A título de exemplo, o PIB dos dois maiores Estados do Nordeste – Bahia (R$ 62 bilhões/IBGE 2002) e Pernambuco (R$ 36,5 bilhões/IBGE 2002), ou seja, um total de R$ 98 bilhões – é 7,4 vezes inferior à soma dos PIB de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais (R$ 733 bilhões). Esta mesma soma do PIB dos três estados do Sudeste é cerca de 20 vezes maior do que o PIB de Pernambuco e quase 12 vezes o da Bahia. E se considerarmos o PIB total do Sudeste, que cerca de 335% superior ao do Nordeste. Até quando este modelo continuará a se perpetuar? Que modelo pode ser mais distorcido do que este?

Temos convicção de que o agronegócio é o principal motor do crescimento do País. Porém, entendemos que a nossa região precisa ser priorizada em matéria de investimentos estruturais em suas áreas ainda passíveis de serem agricultáveis. E que este é o melhor caminho para a inclusão social de cerca de 48 milhões de brasileiros.
* Presidente do Sindicato da Indústria do Açúcar e do Álcool no Estado de Pernambuco - SINDAÇÚCAR
(rcunha@sindacucar.com.br)